Turismo: perdas no ES superam R$ 200 mi com pandemia

today7 de maio de 2020
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“Em 35 anos trabalhando com turismo nunca vi nada parecido”, a fala em tom de perplexidade é de Gustavo Guimarães, dono de pousada no balneário de Guarapari e presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis no Espírito Santo (ABIH-ES). Por estar à frente da entidade, Gustavo conta que muitos outros empresários do setor têm relatado situação de extrema dificuldade para manter seus estabelecimentos.

Os meios de hospedagem são apenas um dos segmentos na cadeia do turismo diretamente afetados pelas medidas de distanciamento social vigentes no País para conter o avanço do novo coronavírus. As perdas estimadas no turismo do Espírito Santo só na segunda quinzena de março – período que coincide com o início das medidas de restrição da circulação de pessoas – são de R$ 201,4 milhões, conforme levantamento da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços de Turismo (CNC) elaborado com base em dados da Câmara Empresarial de Turismo da Federação do Comércio do Estado (Fecomércio-ES).

O baque é reflexo de cancelamentos de eventos, voos, reservas em hotéis, transporte turístico, redução do consumo em bares e restaurantes, entre outras atividades ligadas a bens e serviços que movimentam o setor. Os guias de turismo estão na ponta da cadeia e, como muitos vivem basicamente dessa atividade, estão entre os mais afetados pela crise.

De acordo com o Sindicato dos Guias de Turismo do Espírito Santo (Sindegtur-ES) são 437 profissionais com cadastro ativo. Eles foram orientados a solicitar o auxílio emergencial, mas há parte que ainda não conseguiu receber a ajuda de R$ 600 do governo federal. Diante da dificuldade, o sindicato da categoria buscou apoio com os setores público e privado para arrecadar cestas básicas que serão distribuídas, inicialmente, por três meses para guias que se cadastrarem.

“Sem a atividade de guiamento e com muitos eventos cancelados muitos estão passando necessidade”, lamenta Jorge de Albuquerque, presidente da entidade. Ele também conta que o sindicato tem proposto à Secretaria de Turismo (Setur) medidas para garantir o sustento dos profissionais durante o período, como a possibilidade de os guias receberem para produzir vídeos falando sobre atrações turísticas do estado de forma a fomentar o turismo pós-pandemia. Outra proposta é a criação de um voucher, em que os guias seriam pagos agora e, ao fim das medidas de restrição, atuariam em atividades de turismo pedagógico e cultural com alunos da rede estadual de ensino.

Rede hoteleira
Segundo levantamento recente da ABIH-ES, 44% dos meios de hospedagem do estado estão fechados e 60% da mão de obra foi demitida ou está com contrato de trabalho suspenso. De acordo com o presidente da associação, o segmento de hospedagem emprega cerca de 13 mil pessoas diretamente no ES. “Estamos tentando ao máximo assegurar os empregos. Algumas demissões que já haviam sido feitas foram revertidas e outras que iriam ser feitas foram suspensas por conta da MP 936”, diz Gustavo Guimarães em referência à Medida Provisória (MP) que permite redução da jornada de trabalho e do salário em 25%, 50% ou 70% e complementação da renda do trabalhador pelo governo.

O presidente da ABIH-ES considera o cenário para retomar as atividades ainda incerto e explica que as medidas adotadas até então buscam minimizar os prejuízos. “Fizemos alguns pleitos e conseguimos junto ao governo do Estado e a algumas prefeituras, como as de Vitória, Aracruz e Guarapari a redução da carga tributária e prorrogação do vencimento de alguns tributos e da validade de alguns alvarás municipais e estaduais”, apontou.

Os meios de hospedagem não estão proibidos de funcionar e resolveram adotar novos protocolos para garantir mais segurança aos clientes. Além do reforço na higiene dos ambientes outra medida é a redução de oferta de quartos disponíveis para evitar aglomerações. Além disso, os estabelecimentos associados à ABIH passaram a adotar uma ficha, a ser preenchida pelo hóspede, informando sobre condições de saúde e se esteve em situações de possível contágio pelo novo coronavírus.

Eventos
Feiras, congressos, exposições e outras atividades que movimentam o turismo de eventos e negócios no estado também tiveram de ser canceladas. “A prévia que tínhamos do calendário de eventos atualizado em fevereiro seriam realizados este ano 53 eventos, com movimentação de cerca de 73 mil turistas e injeção de quase R$ 165 milhões na economia local. Mas nosso calendário incorpora muitos eventos a partir de abril, quando as entidades começam a confirmar os eventos do ano e se efetivam resultados de nossas ações de captação de novos eventos. Ou seja, este número ainda iria crescer consideravelmente”, comenta Alfonso Silva, presidente do Espírito Santo Convention & Visitors Bureau.

Entre os que seriam realizados em junho estão o Santa Jazz – Festival Internacional de Jazz e Bossa, o 40º Encontro Regional de Botânicos e XI Jornada Capixaba de Botânica e o SENDI2020 – XXIV Seminário Nacional das Distribuidoras de Energia Elétrica, por exemplo.

Alguns eventos que aconteceriam no primeiro semestre foram reagendados para o segundo e outros para 2021. Alfonso avalia que ainda é prematuro ter uma dimensão do cenário, mas diz que o Convention vem buscando ações para mitigar perdas em conjunto com outras entidades do setor e o Poder Público.

“A prioridade máxima são as demandas voltadas para a sobrevivência do setor de turismo no Espírito Santo. Isso é emergencial e tem que ser feito de imediato. Neste sentido, solicitamos abertura de linhas de crédito com juros atrativos junto às instituições oficiais federais (Banco do Brasil Caixa Econômica Federal, BNDES, Banco do Nordeste) e estaduais (Bandes e Banestes), e a adesão ao diferimento Federal do Simples Nacional, seguindo o modelo federal para os impostos estaduais integrantes do Simples”, comenta.

Medidas emergenciais
O secretário de turismo, Dorval Uliana, explica que, no primeiro momento, o governo tem trabalhado no socorro ao segmento. “Estamos viabilizando abertura de linhas de crédito junto às instituições financeiras oficiais do Estado para financiar folha de pagamento. Também atuando para reduzir a burocracia no acesso ao crédito, além da suspensão e flexibilização de prazos para clientes do setor turístico arcarem com as parcelas dos financiamentos nas instituições financeiras do Estado”, exemplifica.

Outro ponto é o constante diálogo com o trade turístico para debater ações que possam fazer parte do Plano de Retomada do Turismo do Espírito Santo, ainda sem previsão para ser anunciado em virtude da imprevisibilidade do comportamento da pandemia no estado. Mesmo sem ainda poder adiantar qualquer linha, o gestor aponta que o principal será a adoção de protocolos sanitários para assegurar que as atividades possam ser retomadas de forma segura.

Agroturismo e montanhas
O agroturismo, uma das principais vocações do turismo de lazer no Estado, concentrado na região das montanhas capixabas, é uma das apostas para a retomada do setor ainda este ano, mesmo que de forma gradual.

Apesar de o calendário de eventos da região estar suspenso e ainda indefinido, o presidente do Montanhas Capixabas Convention & Visitors Bureau está esperançoso para o segundo semestre, especialmente a partir de julho, quando começa a alta temporada na região. “Nosso público é basicamente de turistas que estão num raio de 400 quilômetros da região, então são turistas daqui e de Minas, Rio de Janeiro e Bahia. Como esse ano as viagens para fora ainda deverão ter muitas restrições, temos expectativa que as pessoas venham para as montanhas”, avalia Valdeir Nunes.

O secretário de turismo reforça a expectativa e dize que mesmo sem data definida a intenção é manter a realização da RuralTurES, feira focada no agroturismo. “Temos otimismo quanto ao agroturismo, por isso tomamos a decisão de manter o evento. O Espírito Santo tem de nove a 12 municípios com atividade forte nessa área e pretendemos promover esse ativo”.

Expectativas frustradas
O turismo capixaba vinha em um gráfico ascendente em volumes de atividades desde 2018. No ano passado o crescimento foi de 2,9% em relação ao ano anterior, resultado melhor que o nacional, que foi de 2,6% para o mesmo período, conforme aponta o estudo A Economia do Turismo no Espírito Santo 2020, realizado pelo Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), Setur e Fundação de Amparo à Pesquisa do Espírito Santo (Fapes).

A previsão para 2020 era manter o ritmo de crescimento em torno de 3% e começar a trabalhar a divulgação do Espírito Santo fora do País, especialmente na Argentina, diz o secretário da pasta Dorval Uliana. O orçamento deste ano que era de R$ 13,6 milhões sofreu até agora contingenciamento de 15% para o combate à emergência de saúde no ES.

Por Nicolle Expósito, com produção de Anna Beatriz Alves Brito e Lenise Cheibub 

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